domingo, 23 de outubro de 2011

Santo Antônio do Pinhal, por João Miguel


Campos do Jordão que me perdõe, mas eu sou mais Santo Antônio do Pinhal.

A cerca de duas de carro de São Paulo, Santo Antônio do Pinhal, em plena serra da Mantiqueira, não vive mais na sombra de Campos do Jordão e vem engrossando, de ano para ano, seu quinhão de admiradores fiéis. 




Chef Anouk Vasconcelos Rosa
fotografada no Donna Pinha,
em Santo Antônio do Pinhal 
Na prática, apenas 29 quilômetros separam as duas, mas são mundos e propostas diferentes para curtir o mesmo cenário de montanha. Com a diferença de que Campos se deixou embalar pelo agito e mundanidade e Santo Antônio, ainda que com uma infra-estrutura de lazer crescente (contam-se, pelo menos, três pousadas novas), mantém seu apelo de roça e insiste num contato mais direto com a Natureza.

Se isto não fosse motivo já mais do que suficiente para passar ali um final de semana, o VII Festival da Alcachofra, que decorre até 2 de Novembro, me proporcionou a desculpa que faltava para fugir de São Paulo por dois dias.

Na verdade, a matéria-prima para o festival vem dali mesmo, de Santo Antônio do Pinhal. Entre os produtores locais, tive oportunidade de visitar o sítio de Roberto e Helô Lisboa, naturais de São Paulo, que realizam a cultura da Alcachofra Roxa de São Roque (a variedade mais plantada no Brasil) de forma orgânica e são os principais fornecedores dos restaurantes participantes.

É nesta época do ano, na Primavera, que as culturas de alcachofra estão em seu máximo esplendor, pelo que o festival é também um excelente pretexto para visitar as plantações com os botões em flor e, com alguma sorte, assistir à sua colheita.





Mas se a estrela é a alcachofra, o mérito, esse, é todo da chef Anouk Vasconcelos Rosa, que, pelo sétimo ano, bolou o festival. Formada em gastronomia pelo SENAC, Anouk assume o fogão, mas se revela também totalmente à vontade no papel de anfitriã. No salão, seu humor afiado não passa desapercebido e garante, desde a primeira hora, uma empatia toda especial. 

Dividida entre o vício da corrida (corre, de segunda a sexta, três quilômetros por dia faça chuva ou sol) e a gestão dos negócios e de uma família numerosa com quatro crianças e muitos mais bichos, Anouk cozinha desde garota (influenciada pelos pais, de origem francesa), mas só há cerca de oito anos entrou no mundo da restauração para valer. E o que lhe falta, por vezes, em aprumo técnico, sobra-lhe em disposição, empreendedorismo e criatividade.

À frente de dois restaurantes em Santo Antônio do Pinhal, a chef Anouk fez questão de dividir o festival pelas duas casas. Começo pelo primogênito, o Donna Pinha. À entrada do Jardim dos Pinhais Ecco Parque, projetado pelo arquiteto Manoel Carlos de Carvalho e considerado um dos principais parques temáticos do Brasil, o restaurante faz a linha rústico-contemporâneo e oferece de bandeja — quer no deck, quer no interior rasgado por enormes janelões — um panorama soberbo da serra. A vista adentra o salão, equipado com lareira para os dias e noites mais frios, sem pedir licença e faz parte do regalo de comer ali.

São cerca de 10 os pratos, entre entradas, massas, risottos (usando as variedades locais de arroz vermelho e negro) peixes e carnes, criados pela chef para assinalar o festival e em todos eles, como não podia deixar de ser, a alcachofra está sempre (mais ou menos) presente. Dos que tive a oportunidade de degustar, ao longo de dois dias em regime de maratona gourmet, elejo como meus preferidos a Casquinha de Truta Defumada em Flor de Alcachofra (R$10,80), servida como entrada, e o Fettuccine com Molho Bechamel e cinco tipos diferentes de cogumelos (todos apanhados localmente), servidos no interior da flor da alcachofra (R$35,80).

Aberto apenas há quatro meses, o Santa Truta, também em Santo Antônio, é a segunda casa comandada por Anouk, em parceria com seu companheiro, o empresário Luiz Manoel (o casal possui ainda um negócio local, com fábrica e loja, de couros, tricots e jeans). Em zona protegida da serra, a obra não tem sido fácil, mas, aos poucos, o restaurante ultima os preparativos e ganha uma clientela fiel entre a comunidade japonesa residente em São Paulo.



Enquanto decorrer o VII Festival da Alcachofra, o cardápio do Santa Truta vai igualmente apresentar os pratos concebidos para o evento, mas quem ali for em busca de seus carros-chefe, como a deliciosa Truta à Brasileira — fresca e grelhada, servida inteira com puré de mandioquinha, é, sem dúvida, uma das criações mais bem conseguidas de Anouk, entre todas as que pude degustar no final de semana — ou os vários tipos de fondues, não vai sair defraudado

Inspirado pelo entorno bucôlico, o Santa Truta, que possui um riacho e uma capela que fazia parte do caminho de peregrinação até à Aparecida, usa tijolos e madeira de demolição no exterior. Anouk, que se encanta ao falar dos tucanos, dos esquilos ou dos pica-paus que visitam a propriedade, mostra a horta, de onde, a seu tempo, sairão produtos típicos da roça, como as ervas lambari e a serralha, que serão depois servidos no restaurante.

Ao longo do ano, Anouk vai realizar mais de cinco festivais gastronômicos temáticos em seus dois restaurantes, de forma a tirar o melhor proveito dos produtos sazonais. Fora isso, cada uma das casas possui uma ementa de base que respeita o paladar mais conservador de seu público, mas, ainda assim, arriscam pequenas inovações na forma e na apresentação — neste momento, por exemplo, a chef está focada em usar cada vez mais flores comestíveis em seus pratos.

"A pior coisa que me pode acontecer é chegar um daqueles clientes habituais, que vem com toda a família no final da semana, e me falar: Anouk, o prato que eu queria é precisamente aquele que você tirou da carta!", confidencia a chef com seu jeito levado. 

Por essas e outras, especialidades como a lingüiça de truta defumada na pedra (R$28, com molhos de queijo Roquefort e de chimichurri), servida no Santa Truta, ou o couvert com pães caseiros e uma seleção de geléias, patês e picles (R$9,80 por pessoa, destaque para a novidade de limão-cravo e abobrinha), servido no Donna Pinha, são já "clássicos". Nas sobremesas, Anouk adora criar em cima das frutas da época — como a atemóia (híbrido semelhante à fruta-conde) ou as amoras e mirtilos —, que serve sob a forma de mousses ou em taças com suspiros.

Mas nem tudo se resume aos restaurantes. Anfitriões de Santo Antônio do Pinhal, o casal Vasconcelos Rosa é o primeiro a nos fornecer dicas sobre o que ver e fazer à volta.

Feiras de produtos locais orgânicos, ateliês de artistas plásticos e artesãos, o Jardim dos Pinhais (são 1200 metros de passarelas para percorrer, ao longo de oito projetos ornamentais, espécies botânicas de diferentes países), as caminhadas na Pedra do Baú ou até a realização de voo livre no Pico Agudo são apenas alguns dos extras que completam a oferta de lazer em Santo Antônio do Pinhal.



Sem tempo para tudo, infelizmente, não arredei pé sem passar pelo menos na Bodega (acesso pelo km 5 da Estrada do Machadinho, tel. 012 3666-1326, abre aos sáb. e dom., entre as 10.00 e as 16.00). O nome em espanhol nos remete para uma adega, mas, no caso, se trata mesmo é de uma cachaçaria tradicional, com alambique e produção própria. Quem chega tem pela frente, se assim o entender é claro, a dura tarefa de degustar até 45 sabores diferentes de cachaças doces ou secas, expostas em grandes garrafões de vidro transparente. 

Consta que as de figo e cambuci são as campeãs de vendas. Provei as duas e não resisti à primeira, nem a uma outra, de mel e canela. O litro fica a R$12, engarrafado na hora, mas também é possível optar por garrafas menores, em formato long neck, que saem por R$5 cada. Quem quiser, poderá ainda se abastecer de doces e geléias caseiros, além de harmonizar a pinga com salame de javali, picanha, filé-mignon ou lombo suíno.

E já que estou embalado no assunto, vale ainda a pena referir, sobretudo agora que as cervejas artesanais roubam a cena no Brasil, as variedades produzidas pela Baden Baden, fábrica da vizinha Campos do Jordão. Degustei a Cristal, tipo pilsen, e a Golden, tipo ale. Robusta, esta última, à base de trigo com canela e frutas vermelhas, se revelou uma acompanhante e tanto para as sobremesas de frutas (dizem que vai igualmente bem com frutos do mar e queijos como o Gruyère ou o Gouda).

Depois de tanta comilança boa, é bem provável que no regresso a casa o peso extra não seja apenas das iguarias e das recordações compradas... Mas, dias não são dias, certo?

Donna Pinha | Estrada de Santo Antônio do Pinhal, tel. (012) 3666-1233
Santa Truta | Av. Antônio Joaquim de Oliveira, 647, Centro, Santo Antônio do Pinhal
FONTE: Address Book, João Miguel e Luna Garcia




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